Isso aconteceu mesmo, faz parte da história da cerveja
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Às vezes, uma coisa boa demais pode ser ruim para você. Este ditado pode definitivamente ser dito sobre o fato ocorrido em Londres em 1814 que vamos relatar aqui. Cerveja grátis literalmente fluía pela rua, mas certamente não era o evento alegre que se poderia imaginar.
Aconteceu! Um bizarro acidente industrial resultou na liberação de um “tsunami” de cerveja que causou várias mortes em Londres. E faz muito tempo, foi no ano de 1814. E temos a data exata, uma segunda-feira, dia 17 de outubro. Foi um terrível, e porque não dizer, bizarro desastre que ceifou a vida de pelo menos 8 pessoas em St Giles, Londres. Foi um acidente industrial que resultou na liberação de um “tsunami” de cerveja nas ruas ao redor da Tottenham Court Road, uma rua localizada no centro de Londres, Inglaterra, hoje famosa por ser um ponto de encontro e por suas lojas.
A área de St Giles foi o lar de muitos dos habitantes mais pobres de Londres, bem como imigrantes, e até meados do século XIX era o local de um notório viveiro, uma favela onde famílias inteiras se amontoavam em uma sala e o crime era abundante. Na verdade, a famosa impressão de 1751 de William’s Hogarth
Gin Lane, retratando os males do gin em oposição aos méritos da cerveja, foi ambientado em St Giles; foi esta área empobrecida da cidade que testemunharia um desastre que poucos poderiam ter previsto.
Naquela época, a cervejaria Meux and Company, que se localizava na esquina da Great Russell Street com a Tottenham Court Road tinha um tanque de fermentação de madeira de 6,7 metros de altura instalado no local. Mantida juntamente com enormes anéis de ferro, esta enorme cuba continha o equivalente a mais de 3.500 barris de cerveja.
Por volta das 16h30, George Crick, balconista do armazém da Meux & Co., percebeu que um dos anéis de ferro que mantinham o enorme tanque de fermentação unido havia quebrado. Tal evento era normal, e acontecia algumas vezes por ano. Então o superior de Crick pediu que ele anotasse os danos a serem reparados mais tarde. Grande erro humano, pois o tanque estava cheio e a pressão interna significava que ele estava apto para estourar. Era uma bomba armada.
Cerca de uma hora depois, todo o tanque se rompeu, liberando a cerveja Porter, um tipo de cerveja feita com malte marrom, de fermentação quente, com tanta força que a parede traseira da cervejaria, de 6,6 metros de altura, desabou. Todo esse líquido foi para a rua. Mais de 320 mil galões de cerveja foram liberados na área. O local era a St Giles Rookery, uma favela londrina densamente povoada de moradias baratas e cortiços habitados pelos pobres, indigentes, prostitutas e criminosos. Imagina o caos causado. E a tragédia.
A maré de alcool inundou a rua e a onda de cerveja e destroços de 4,5 metros de altura inundou os porões de duas casas, causando seu colapso. Em uma das casas, Mary Banfield e sua filha Hannah estavam tomando chá quando a inundação atingiu; ambos foram mortos. No porão da outra casa, um velório estava sendo realizado para um menino de 2 anos que havia morrido no dia anterior. Quatro enlutados presentes foram mortos. O corpo de uma criança também foi encontrado posteriormente em uma casa vizinha. A onda também tirou a parede do pub Tavistock Arms, prendendo a garçonete adolescente Eleanor Cooper nos escombros. Ao todo, oito pessoas foram mortas. Notavelmente, não houve mortes na própria cervejaria, mas muitos sofreram ferimentos quando foram arrastados pela inundação ou ficaram enterrados sob escombros. Três trabalhadores da cervejaria foram resgatados da enchente na altura da cintura e outro foi retirado vivo dos escombros.
George Crick testemunhou o evento e mais tarde relatou a cena a um jornal local: “Eu estava em uma plataforma a cerca de 9 metros da cuba quando ela estourou. Ouvi o acidente ao explodir e corri imediatamente para o armazém, onde ficava o tanque. Causou uma devastação terrível no local, pois a pressão era muito excessiva. Entre 8 e 9.000 barris perdidos.” Foram as suas palavras. Sem drenagem nas ruas, a cerveja não tinha para onde ir, exceto para as casas e porões.
Toda essa cerveja grátis fez com que centenas de pessoas a coletassem em todos os recipientes que pudessem. Alguns apenas beberam, levando a relatos da morte de uma nona vítima alguns dias depois por envenenamento alcoólico, porém isso não foi confirmado. Os restos da cervejaria tornaram-se uma atração durante a noite, e os vigias cobravam um centavo das pessoas para visitar o prédio em ruínas. Alguns parentes exibiram os cadáveres das vítimas por dinheiro. Em uma casa, a exposição macabra resultou no colapso do chão sob o peso de todos os visitantes, mergulhando todos na altura da cintura em uma adega inundada de cerveja. O cheiro forte de cerveja na região persistiu por meses depois.
Na manhã seguinte, as pessoas examinaram a devastação com horror. O Morning Post descreveu a visão como uma enorme massa de ruínas. A cena circundante de desolação apresenta uma aparência horrível e fantástica, igual àquilo que o fogo ou o terremoto podem ocasionar.
A cervejaria foi levada a tribunal por causa do acidente, mas o desastre foi considerado um Ato de Deus, não deixando ninguém responsável. Como a investigação chegou a conclusão que a cervejaria não fez nada de errado, nenhuma compensação foi paga às famílias das vítimas ou àqueles que perderam as suas casas e bens. Uma carta anônima escrita ao Morning Post sugeria que a explosão foi um acidente esperando para acontecer, registrando surpresa pelo fato de tal tragédia não ter ocorrido antes. A enchente custou à cervejaria cerca de £23.000, o que equivale a aproximadamente £1,25 milhão hoje. No entanto, a empresa conseguiu recuperar o imposto especial de consumo pago sobre a cerveja, o que os salvou da falência. Eles também receberam ₤7.250 ou ₤400.000 hoje como compensação pelos barris de cerveja perdida.
Este desastre único foi responsável pela eliminação gradual dos barris de fermentação de madeira para serem substituídos por cubas de concreto revestidas. A cervejaria continuou a funcionar até sua demolição em 1921 e o teatro Dominion Theatre agora ocupa parte do local. E como vimos, algumas lições importantes foram aprendidas após essa tragédia como o material de revestimento dos tanques.
E o local permaneceria atolado na pobreza durante as próximas décadas, aumentando de tamanho devido a um enorme afluxo de imigrantes após a fome irlandesa da década de 1840. As condições de vida continuaram terríveis e surtos de doenças bacterianas como a cólera eram comuns e espalharam-se rapidamente entre as muitas famílias que viviam em locais tão próximos. Não foi até meados do século 19 que as favelas foram finalmente limpas, abrindo caminho para New Oxford Street, uma importante via local, hoje.
FONTE: Historic-uk e Historyextra
IMAGEM: Gravura do evento no século XIX
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